Hallowed be Thy name - conto


Com referências a 
Divina Comédia, este conto fazia parte de um roteiro de jogo de escolhas criado em 2017.


Hallowed be Thy Name
O dia quente seria apenas uma ironia. Por volta de quatro horas da tarde o sol ainda estava escaldante, porém, os grandes muros de pedra assombreavam os infelizes, os guardando friamente em suas celas.  
Assim que o sino começa a soar, não há mais tempo para reflexão ou lamentações sobre a vida já passada: às 17h em pontoseus corpos estarão por um fio.  É difícil controlar o terror. Apesar de todos os gritos, risos e vaias, as únicas sensações são a respiração ofegante, o sangue palpitando, as línguas secas, a vontade de expelir um vômito de seus estômagos vazios e acima de tudo, o desespero. Quando não há mais a opção de fugir ou lutar, o que resta é aceitar. 
No momento em que o padre vem ler os ritos finais, olhando através das grades é possível visualizar apenas a última visão de um mundo injusto.  Uma vela é acesa.  A cela antes fria agora apresenta uma pequena chama: fica se consumindo, como se fosse um holocausto oferecido a Deus. - A luz de Cristo ilumina a todos!... Bendito seja o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que ilumina e santifica nossas almas. – O padre as entrega, julgando a ida ao Pandemônio. Não há mais esperanças.  
 Enquanto guardas os conduzem ao pátio, alguém grita de uma cela: "Deus esteja com você!". Se existe um Deus, porque ele os deixaria morrer? A multidão clama por suas mortes, e com o laço sobre o pescoço, o fim é inevitável. 
*** 
      As vértebras cervicais rompidas e uma secção da medula espinhal param a função respiratória, provocando uma morte rápida, apesar dos olhos saltados e da língua inchada e fora da boca.     Após alguns segundos sem conseguir enxergar, apenas é possível visualizar uma grande entrada, com a advertência “Deixai toda a esperança, ó vós que entrais”. O lugar, que lembra uma selva escura, guarda em seus detalhes inúmeros insetos: larvas roem o resto de carniça que sobra pelo chão, moscas criam um barulho infernal, juntamente com gritos e bestas que se alimentam da dor humana. Carregados, então, os pobres homens entram para o que é chamado de Antessala do Mal: onde indecisos e covardes que não podem ir nem para o céu nem para as trevas agonizam. Picados por enxames de vespas, pessoas correm sem parar, enquanto o sangue das picadas mistura-se a lágrimas e escorre até os pés, que são roídos por vermes.  
Ao começar o sofrimento, um barco lentamente navega em um rio pantanoso e cinzento, conduzido por Caronte. Ao lado, uma montanha formada com rochas pontiagudas adquire coloração avermelhada como resultado da incidência da luz vinda do fogo sobre o a pedra úmida. O forte cheiro de ferrugem denuncia que o líquido não é água. - Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! – Os pensamentos de terror são interrompidos pelo barqueiro dos mortos. Mortos pelo mártir, seus corpos corroem ao pensar na vingança para um Deus que os deixa sofrer. Se houvessem pupilas, elas estariam dilatadas. Mas tudo era composto por suas mentes. Nada era real. Eram todos escravos de sinapses.  
Enquanto seus próprios demônios queimavam suas mentes, tudo o que importava era a vingança saciada pela carniça. Numa tentativa de desforra, a advertência é dada ao barqueiro, que apenas ri. 
O barco navega por trás das montanhas. Existem fendas quase imperceptíveis. As pedras polidas pela ação do tempo aparentam ser escorregadias como gelo. Mas tudo começa a se desmoronar. 
-Eu sou real? - a sensação de vazio os corrompe. 
De repente, a dor não existe mais. Beatos, demônios, deuses. Não existem. 
Apenas o que restou de suas consciências. Formando O Tudo. 
 Você não é seu corpo. 
Quando você souber que sua hora está chegando, talvez você comece a entender que a vida é apenas uma estranha ilusão.

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